Perifériquers?
A qual bolha hype de São Paulo você pertence?
Já há alguns anos eu ouvia a expressão Berriner, quando eu mesma trabalhava perto da Av. Berrini. A primeira vez que escutei esse termo foi lá em meados de 2016, quando amigos meus tiravam sarro dos meus happy hours nos bares daquela região.
Deus me livre beber na Berrini. Berriner tá tudo sempre de social falando de trabalho.
Passam-se três aninhos para que a capa da Veja São Paulo, estampada de bonequinhos de social em cima de patinetes, viesse falar sobre os Faria Limers.
Como vivem, enriquecem, gastam e se cuidam os paulistanos que trabalham no enclave de maior crescimento econômico do país, polo de modas e ambições apelidado de “condado”.
Mudam os nomes, mas o sentimento permanece. Aquela certeza esquisita de que ali tem um monte de gente de social falando de trabalho. E nem deu tempo do meme respirar, já tínhamos os Santa Ceciliers, os Morumbiers, Pompeiers, Consolaçoners… Tem até gráfico de inclinação política.
E até aqui todo mundo já sabe, né? Virou meme. E no twitter a @patonalaranja já listou inclusive a “versão perifa”:
Capão Redonders
Campo Limpers (é nóis)
São Mateusiers
Angelers
Guarulhers
Penhers
Guilherminers
Itaqueriers
Piritubers
Vila Matilders
Parelheries
E aí, c é qual?
A nossa conversa começa aqui, ok? O resto era só contexto.
Com todo respeito, eu tenho vontade de explodir quando ouço alguém falando da bolha dos farialimers. Cada vez que eu mesma subo num patinete elétrico eu tenho vontade de sair do meu corpo e chutar a minha própria cara. A cada pedido de delivery que chega na minha casa, uma parte de mim torce pra que o entregador me passe o pacotinho e diga “boa noite, vá se foder!”
Porque, sinceramente, eu mereço! Trabalhar na Faria Lima e ir andando pra casa (isso quando não pego o diabo do patinete), chegar em 15 minutos, e ainda ter a pachorra de pedir comida em vez de fazer a janta? “Ah mas no iFood uma jantinha sai só por 30, 40 reais, até menos se você estiver disposta”
Desculpa, eu não consigo. Dá vergonha. A gente fala mal do capitalismo todo dia, pra depois chegar em casa e pagar alguém que faça a minha comida, traga até a minha casa, me dê boa noite educadamente — e tudo isso em menos de meia hora, caso contrário é só uma estrela na review! A gente reclama da passagem de ônibus a quatro-reais-e-trinta-centavos, mas no domingo paga 10 reais pra subir dois quarteirões de patinete.
Quando eu morava no Capão Redondo, acabava pegando muito Uber pra voltar pra casa depois de trabalhar até altas horas da noite. Falante do jeito que sou, vivia fazendo amizade com motoristas que eram também do Capão ou de outros bairros periféricos. Eram muitos casos de gente que trabalhava em alguma empresa e, vítimas da crise, perderam seus empregos e tiveram que se virar com o que tinha.
“Se virar com o que tinha” é o que o mercado está chamando, veja só, de Uberização do trabalho. E a gente pode fazer igual fizeram com o termo dos faria limers. Não tem os Santa Ceciliers, os Berriners, etc? Pois bem, além da Uberização, temos a iFooderização, a Rappirização, todas essas formas de trabalho que estão — em um grosso resumo — movimentando os perifériquers para trabalharem sem vínculo empregatício, como prestadores de serviço, nos centros e para os centrerers.
E se toda essa dinâmica não te dá um misto de vergonha e raiva, talvez você esteja morando em alguma outra bolha da hype paulistana: a dos alienaders. E não pense que eu tenho uma solução não, aqui é só questionamento mesmo. Como que a gente consegue achar legal ser parte desse sistema egocêntrico onde você trabalha pra chegar em um patamar em que os outros começam a trabalhar pra você?
Daí nascem histórias como a de Parasita, que escancaram essa mecânica em que os degraus para “subir na vida” são as outras pessoas. Qualquer pessoa que não precise fazer o próprio jantar, lavar a própria louça ou pegar transporte público já vai ser um funcionário com mais energia, com mais facilidade de ser produtivo no dia seguinte.
E se o faria limer prefere pagar 10 reais a caminhar dois quarteirões, imagine o quanto ele não deve pagar pra que façam tudo por ele?